O começo do fim das touradas?





Em uma votação que vem sendo considerada por alguns uma vitória histórica dos defensores dos direitos dos animais, o Parlamento da Catalunha aprovou hoje pela manhã a interdição das touradas na região autônoma.

Após sete meses de debates, inclusive na mídia, a maioria dos deputados (68 foram a favor da proibição, enquanto 55 se opuseram a ela) decidiu acolher a iniciativa de uma organização chamada “iniciativa legislativa popular”, que recolhera 180 mil assinaturas de pessoas que apoiavam o fim das tradicionais exibições. A medida só entrará em vigor em 2012, mas já vem gerando inúmeras manifestações, de aprovação e de descontentamento, pelas ruas da Espanha.
Os que se opõem à interdição alegam motivos econômicos e sociais. O custo do fim das touradas se elevaria a cerca de 500 milhões de euros, 400 milhões apenas para a indenização dos cerca de 40 mil trabalhadores do setor, que ademais gera bilhões de euros por ano. Além disso, eles alegam razões políticas: as “corridas” fariam parte da identidade catalã, cumprindo uma função social, e a sua interdição seria uma retaliação por parte do governo espanhol à posição separatista da região.
Aqueles a favor da interdição esperam que a moda pegue. A Catalunha foi a segunda região autônoma da Espanha a banir as touradas (o arquipélago das Canárias fizera o mesmo em 1991), já que em número de corridas a Catalunha não chega a ser representativa (no ano passado foram realizadas 18 touradas em Barcelona, contra 343 em Madri). E rezam para que ela se estenda também a outros esportes que implicam maus tratos a animais, suspensas pela mesma decisão. É o caso, por exemplo, dos “corretoros”, que consiste em cercar um touro ou um novilho e provocar nele feridas de natureza e gravidade variadas, mas que não levem à sua morte.
O caso não é exatamente ambiental. O número de animais envolvidos pode ser considerado ínfimo e o fim da prática não terá qualquer impacto, por exemplo, sobre a agropecuária (ela sim, com seus impactos significativos). O que estava em pauta era acima de tudo a forma como esses animais eram tratados, feridos ou mortos. Ainda assim, a decisão é muito importante.
Primeiramente porque o debate que a precedeu, e a sua duração, mostra claramente o valor que nós humanos colocamos na vida desses animais; mostra como numa nação que participou ativamente da disseminação da cultura européia pelo mundo ainda há, em pleno século XXI, lugar para a barbárie, para manifestações públicas de prazer sádico no sofrimento alheio. E isso explica muito.
Mas o lado mais importante da decisão está na ousadia do reconhecimento político de direitos, oponíveis a nós humanos, a “simples” animais.

Vejam que se confrontarmos os argumentos expostos por quem defende as touradas e por quem se opõe a elas há uma grande disparidade: de um lado razões de ordem econômica, cultural, histórica; de outro, unicamente o direito de bovinos a não serem submetidos a tratamentos cruéis – em suma, a não serem mortos lentamente e com requintes de crueldade para a nossa macabra diversão.
O caráter ousado da decisão repousa sobre uma limitação jurídica histórica. Para o direito, o mundo divide-se entre sujeitos – que são em suma os seres humanos –, aos quais são reconhecidos direitos e impostos deveres, e coisas, que não são evidentemente titulares de direito algum e cuja única importância jurídica é o seu caráter patrimonial. Historicamente, os animais sempre foram “coisas”.
Não é todo dia, portanto, que um direito cujos titulares são animais prevalece, por si só, sobre um direito nosso. Isso implica reconhecer a essas “coisas” direitos que nem nós, “sujeitos”, podemos desrespeitar. Mas tomara que a moda pegue.

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