VETERINÁRIOS, HOJE EM DIA, QUANDO LEVAMOS NOSSOS BICHOS PARA UMA CONSULTA, NÃO ESTAMOS LEVANDO NOSSOS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO, ESTAMOS LEVANDO UM MEMBRO DA FAMÍLIA.
ESTAMOS HUMANIZANDO NOSSOS BICHOS, VOCÊS TÊM QUE SE ADAPTAR A ESSE FATO.( FLÁVIA )
VETERINÁRIOS / Médicos de Família
Simone e Homero queriam engravidar. Tentaram por três anos. Nada. Exaustos e frustrados,decidiram adotar um cachorro.
A escolhida foi Nina, uma pequena maltês branca de dois meses.
A chegada de Nina trouxe ao casal alegria e descontração.
Relaxados e sem cobranças - advinhe?! - ela engravidou um mes depois.
Fazer planos para receber Gabriel se transformou, então, no principal programa familiar de Simone, Homero e, agora, Nina.
Ela dormia sobre a barriga da "mãe" e participava das conversas com bebê.
Como manda o figurino, foi vermifugada, vacinada e, chegada a hora, encaminhada 'a castração.
Não há duvidas : castração é medida de saúde pública.
Do ponto de vista individual, reduz a 0,05% a chance de câncer de mama, se for realizada antes do primeiro cio.
Do ponto de vista coletivo, é a principal arma contra o abandono e as zoonoses.
A veterinária sabía disso e insistiu com Simone. Ela titubeou. Voltou 'a clínica uma,duas,três vezes para tirar dúvidas. Disse que tinha medo. Mas a veterinária argumentou que os benefícios eram relevantes. Grávida de oito meses. Simone concordou.
Dia marcado,lá estava Nina. Simone voltaria para buscá-la no final do dia, mas, bem antes da hora marcada, o telefone tocou: Nina havia morrido na anestesia. Foi como se o chão se abrisse debaixo dos pés de Simone.
Sei que os inimigos da castração podem se agarrar a esse caso para tentar combatê-la. Não faz sentido.
Procedimentos anestésicos têm risco em qualquer espécie, inclusive a humana. E isso precisa ser claramente dito ao dono do animal. Segundo os estudos sobre o tema, o que ocorreu com Nina se repete em 0,89% dos cães anestesiados - índice que nunca chegará a zero porque o organismo terá sempre reações inesperadas.
Para Simone, as estatísticas não dizem mais nada. No caso dela, a perda foi de 100%; Mas não se póde deixar que a dor, que embóta os olhos, também embaralhe os conceitos.
Não castrar um animal por conta do risco equivale a deixar de levá-lo para passear porque o sol póde causar câncer de pele.
Sim , é verdade. Mas a chance de ele ficar obeso se não sair de casa é, sem dúvida, muito maior.
Pelo laudo da necropsia, não há indício de falha técnica na conduta da veterinária.
Talvez o problema resida exatamente neste ponto: ela foi exclusivamente técnica.
Se tivesse levantado os olhos do prontuário de Nina, ela teria notado a Simone: uma mulher grávida, sensível, temerosa e 'as vesperas de realizar um sonho. E, se tivesse enxergado Simone, talvez compreendesse que a castração poderia esperar alguns dias.
Tudo é questão de decidir que tipo de medicina se quer fazer.
Nos próximos meses, o Ministério da Saúde vai autorizar que veterinários integrem as equipes de saúde da família. Será o reconhecimento oficial de que cães e gatos, trazidos para dentro de casa e criados como filhos, têm influência cada vez maior sobre nossa saúde física e mental.
Para os veterinários, é um desafio: estudam por cinco anos para tratar de bicho e descobrem , na prática, que cuidam também de gente.
Silvia Corrêa
Folha de S.Paulo,
01/08/2011 - pag.C2
Simone e Homero queriam engravidar. Tentaram por três anos. Nada. Exaustos e frustrados,decidiram adotar um cachorro.
A escolhida foi Nina, uma pequena maltês branca de dois meses.
A chegada de Nina trouxe ao casal alegria e descontração.
Relaxados e sem cobranças - advinhe?! - ela engravidou um mes depois.
Fazer planos para receber Gabriel se transformou, então, no principal programa familiar de Simone, Homero e, agora, Nina.
Ela dormia sobre a barriga da "mãe" e participava das conversas com bebê.
Como manda o figurino, foi vermifugada, vacinada e, chegada a hora, encaminhada 'a castração.
Não há duvidas : castração é medida de saúde pública.
Do ponto de vista individual, reduz a 0,05% a chance de câncer de mama, se for realizada antes do primeiro cio.
Do ponto de vista coletivo, é a principal arma contra o abandono e as zoonoses.
A veterinária sabía disso e insistiu com Simone. Ela titubeou. Voltou 'a clínica uma,duas,três vezes para tirar dúvidas. Disse que tinha medo. Mas a veterinária argumentou que os benefícios eram relevantes. Grávida de oito meses. Simone concordou.
Dia marcado,lá estava Nina. Simone voltaria para buscá-la no final do dia, mas, bem antes da hora marcada, o telefone tocou: Nina havia morrido na anestesia. Foi como se o chão se abrisse debaixo dos pés de Simone.
Sei que os inimigos da castração podem se agarrar a esse caso para tentar combatê-la. Não faz sentido.
Procedimentos anestésicos têm risco em qualquer espécie, inclusive a humana. E isso precisa ser claramente dito ao dono do animal. Segundo os estudos sobre o tema, o que ocorreu com Nina se repete em 0,89% dos cães anestesiados - índice que nunca chegará a zero porque o organismo terá sempre reações inesperadas.
Para Simone, as estatísticas não dizem mais nada. No caso dela, a perda foi de 100%; Mas não se póde deixar que a dor, que embóta os olhos, também embaralhe os conceitos.
Não castrar um animal por conta do risco equivale a deixar de levá-lo para passear porque o sol póde causar câncer de pele.
Sim , é verdade. Mas a chance de ele ficar obeso se não sair de casa é, sem dúvida, muito maior.
Pelo laudo da necropsia, não há indício de falha técnica na conduta da veterinária.
Talvez o problema resida exatamente neste ponto: ela foi exclusivamente técnica.
Se tivesse levantado os olhos do prontuário de Nina, ela teria notado a Simone: uma mulher grávida, sensível, temerosa e 'as vesperas de realizar um sonho. E, se tivesse enxergado Simone, talvez compreendesse que a castração poderia esperar alguns dias.
Tudo é questão de decidir que tipo de medicina se quer fazer.
Nos próximos meses, o Ministério da Saúde vai autorizar que veterinários integrem as equipes de saúde da família. Será o reconhecimento oficial de que cães e gatos, trazidos para dentro de casa e criados como filhos, têm influência cada vez maior sobre nossa saúde física e mental.
Para os veterinários, é um desafio: estudam por cinco anos para tratar de bicho e descobrem , na prática, que cuidam também de gente.
Silvia Corrêa
Folha de S.Paulo,
01/08/2011 - pag.C2
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