APRESENTAÇÃO
Ao
Exmo. Senhor
Irineu Norival Maretto
Presidente da Câmara Municipal de Araras
Apresento para análise dos digníssimos vereadores projeto de lei que “Proíbe a realização de rodeios, touradas, vaquejadas, farras do boi e eventos similares no Município de Araras e dá outras providências”.
Este projeto se justifica, pois tais atividades, tidas por muito como práticas “esportivas”, configuram-se na verdade como espetáculos que pretendem divertir a platéia apresentando-lhes a farsa de “bravos” peões que enfrentam animais bravios, quando na verdade o que está ocorrendo é a tortura de animais para que estes apresentem um comportamento supostamente bravio e sejam fonte de lucro para os promotores destes eventos.
A tortura se dá através da utilização de subterfúgios destinados a provocar dor nos bovinos e nos eqüinos, como o sedém, a espora e a corda americana, da mesma forma que as violentas provas de laço e derrubadas, merecem ser vedadas porque manifestamente cruéis.
Como bem escreveu a advogada Vânia Rall Daró no artigo “Consciências mortas”, publicado no “Jornal da Cidade” (Bauru), em 20.11.1999, o espetáculo do rodeio nada mais é do que uma farsa, pois numa simulação de doma, os peões fazem crer ao público que estão montando animais xucros e bravios, quando, na verdade, trata-se de animais mansos e domesticados que corcoveiam em desespero por causa dos instrumentos que neles são colocados.
Utilizados para fustigar os animais levados à arena, o sedém, as esporas e a corda americana são subterfúgios que, independentemente de sua forma e da capacidade de provocar lesões, causam-lhes inegável sofrimento físico e mental.
O sedém (forma apocopada de sedenho), como o próprio significado denuncia, é “um cilício de sedas ásperas e mortificadoras” (Novo dicionário da língua portuguesa, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Nova Fronteira, Rio de Janeiro). Na mesma obra, encontraremos a definição de cilício: “tortura, tormento, aflição”.Assim como a corda americana, o sedém é instrumento de compressão que, instalado em torno da virilha do animal, tem o efeito de agredir, de atormentar, de ofender, em suma, de infligir dor e sofrimento mental. É o que conclui mais de uma dezena de laudos oficiais solicitados pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário.
Sem necessariamente provocar lesões cutâneas ou esterilidade, o uso do sedém acarreta uma reação de causa e efeito que leva touros e cavalos a pularem e a escoicearem na tentativa de livrarem-se daquilo que os agride. A forte compressão causa-lhes dor, fenômeno biológico entremeado por sensações de angústia, medo e tormento.
A propósito, é a Professora Irvênia Luiza de Santis Prada, Titular Emérita de Anatomia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo, quem esclarece em seu trabalho científico intitulado “Diversão humana e sofrimento animal – Rodeio”:
“O sedém é aplicado na região da virilha, bastante sensível já por ser de pele fina mas, principalmente, por se área de localização de órgãos genitais. No caso dos bovinos, o sedém passa sobre o pênis e, nos cavalos, pelo menos compromete a porção mais anterior do prepúcio. (…) Quanto à possibilidade de produção de dor física, pelo uso do sedém, a identidade de organização das vias neurais da dor no ser humano e nos animais é bastante sugestiva de que eles sintam, sim, dor física. O contrário é que não se pode dizer, isto é, nada existe, em ciência, que prove que os animais não sentem dor com tal procedimento”.
Em outro abalizado estudo da referida mestra, desta feita em parceria com seus colegas Flávio Massone (Professor Titular da UNESP/ Botucatu), Arif Cais (Professor Doutor de Zoologia da UNESP/ São José do Rio Preto), Paulo Eduardo Miranda Costa (Professor Adjunto de Cirurgia de Grandes Animais do Departamento de Clínica Veterinária da UEL/Londrina) e Marcelo Marcondes Seneda (Professor Assistente de Reprodução de Grandes Animais, UEL/Londrina) – “Bases metodológicas e neurofuncionais da avaliação de ocorrência de dor/sofrimento em animais” (Revista de Educação Continuada, CRMV-SP, vol. 5, fascículo 1, p. 1 – 13, 2002) – a conclusão é idêntica:
“Particularmente em relação aos rodeios, considerando-se as características de violência e agressividade das provas e treinamentos (…), a utilização de recursos inaceitáveis como o sedém e as esporas (…), a estrutura orgânica dos eqüinos e bovinos, passível de lesões corporais na ocorrência de quaisquer procedimentos violentos, bruscos e/ou agressivos, em coerência com as características da constituição de todos os corpos formados por matéria viva (…), a complexa configuração morfofuncional do sistema nervoso dos eqüinos e bovinos, particularmente do encéfalo, indicativa da capacidade psíquica desses animais, de avaliar e interpretar as situações adversas a que são submetidos, … pode-se concluir que os sinais fisiológicos e comportamentais exibidos pelos animais, nos treinamentos e provas de rodeio, são coerentes com a vivência de dor/sofrimento”
A Professora Júlia Maria Matera, também da Universidade de São Paulo, por meio de seu laudo de 03.07.1997 assevera que:
“A utilização de sedém, peiteiras, choques elétricos ou mecânicos e esporas gera estímulos que produzem dor física nos animais, em intensidade correspondente à intensidade dos estímulos. Além de dor física, esse estímulos causam também sofrimento mental aos animais, uma vez que eles têm capacidade neuropsíquica de avaliar que esses estímulos lhes são agressivos, ou seja, perigosos à sua integridade”
O médico veterinário José Eduardo Albernaz, do IBAMA, respondendo, em 14.09.1998, aos quesitos formulados pelo Promotor de Justiça de Presidente Prudente, demonstra que:
“O sedém é fortemente preso à virilha do animal, provocando sensações de mal estar, dor e tormento, pois quando o mesmo é retirado o animal volta ao seu comportamento normal.”
Já os peritos criminais Rodolfo Denobile Jr. e Carlos Alberto Bonom Bovis, do Instituto de Criminalística de São José dos Campos, ao procederem ao exame de uma “corda” (corda americana) utilizada em prova de rodeio, concluem, em laudo de 12.06.1998, que ela:
“Poderia ser eficazmente utilizada à guisa de sedém e provocar maus tratos em animais” (processo-crime n. 813/98, 4a. Vara Criminal de S. J. Campos)
Dessa forma, o que se depreende dos excertos dos laudos técnicos acima mencionados – em síntese - é que o sedém provoca dor no animal, conseqüência da forte compressão que é exercida em sua região ingüinal. Pouco importa seja esse objeto confeccionado em couro ou com material macio, porque, de uma forma ou de outra, ocasiona visível padecimento no animal, caracterizando – assim – a crueldade.
Mas não é apenas o sedém que incomoda os animais nos rodeios.
Também as esporas – aparelhos metálicos, pontiagudos ou não, presos nas botas dos peões - são utilizadas para estocar os animais durante a montaria, mediante seguidos golpes que lhes atingem o baixo-ventre, o pescoço e até a cabeça, o que é descrito como maus tratos pelo artigo 8o do Decreto federal n. 24.645/34.
Saliente-se que o animal, via de regra, não é simplesmente “esporeado” nos rodeios, mas sim “golpeado” por esse equipamento metálico. O montador se utiliza das pernas, com força e violência, para fincar o aparelho na região do baixo-ventre e do pescoço dos animais, causando-lhes lesões cutâneas. Pouco importa seja a espora pontuda ou romba (não pontiaguda), porque seu doloroso efeito faz-se notório na impressionante reação do animal agredido.
Não é apenas a prova de montaria que provoca sofrimento e morte cruel dos animais. Durante uma prova de perseguição seguida de derrubada na arena da 56º Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos, um garrote teve de ser morto, em virtude da paralisia permanente provocada pelo peão que lhe quebrou a coluna vertebral.
O fato, entretanto, não é incomum, uma vez que as provas de perseguição, seguidas de laçadas e derrubadas, não só submetem os animais a sofrimento físico e psíquico, mas a risco de lesões orgânicas, rupturas musculares e paralisia gerada por danos irreversíveis à coluna vertebral.
Na prova denominada “bulldogging”, o peão desmonta de seu cavalo, em pleno galope, atirando-se sobre a cabeça do animal em movimento, devendo derrubá-lo ao chão, agarrando-o pelos chifres e torcendo lhe violentamente o pescoço, o que pode ocasionar ao animal deslocamento de vértebras, rupturas musculares e diversas lesões advindas do impacto recebido em sua coluna vertebral.
São cruéis também as provas de laço. Na “Calf Roping” (laço do bezerro), o laço que atinge o pescoço do bezerro o faz estancar de forma abrupta, tracionando-o para trás, em sentido contrário ao que corria. O laçador desce do cavalo e, segurando o bezerro pelas patas, ou até mesmo pela prega cutânea, ergue-o do solo até a altura da cintura do laçador, para em seguida atirá-lo violentamente ao chão, sendo três de suas patas amarradas juntas. São utilizados bezerros de apenas quarenta dias de vida, já que o animal não pode ultrapassar 120 quilos. Por se tratar de uma competição, cujo tempo é fator primordial, tudo é feito de maneira rápida, grosseira e atabalhoada, aumentando a possibilidade de traumatismos que resultam em sequelas, tais como rompimento de órgãos internos, lesões nos membros, nas costelas e na coluna vertebral, além de deslocamento de vértebra e de disco intervertebral, como enfatiza a Prof.ª Dr.ª Irvênia Prada, Professora Titular Emérita da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, orientadora da pós-graduação em Anatomia dos Animais.
Ademais, os bezerros utilizados em tais provas são submetidos à privação de alimento para que mantenham um peso bem abaixo do normal e, dessa forma, tenham a leveza e o movimento exigidos por essa modalidade. Se o bezerro fosse alimentado adequadamente, seu peso dificultaria a atividade do peão de tracioná-lo e de erguê-lo do solo, comprometendo a execução da prova. A má alimentação leva à desnutrição, o que também traz seqüelas.
Na “Team Roping” (Laço em Dupla), um dos peões laça a cabeça de um garrote, enquanto o outro laça-lhe a perna traseira; em seguida, os peões o esticam entre si, resultando em sérios danos à coluna vertebral e em lesões orgânicas.
Nas denominadas “vaquejadas”, a violência não é menor. O gesto brusco de tracionar violentamente o animal pelo rabo pode causar luxação das vértebras, ruptura de ligamentos e de vasos sangüíneos, estabelecendo-se, portanto, lesões traumáticas com o comprometimento, inclusive, da medula espinhal. Não raro, sua cauda é arrancada, já que o vaqueiro se utiliza de luvas aderentes. Da necessidade de derrubar o bovino para prestar-lhe assistência, em condições que não permitiam ao sertanejo fazer uso da corda, devido à quantidade de espinhos e de pontas de galhos secos que embaraçavam o caminho, surgiu o costume de derrubar o animal, tracionando-lhe a cauda. Tratava-se, entretanto, de medida destinada ao bem-estar do animal que carecia de assistência, que não poderia lhe ser oferecida de forma menos lesiva. Ausente o estado de necessidade, a conduta visando o mero entretenimento adentra o campo da ilicitude penal, sujeitando seus praticantes às penas cominadas na Lei de Crimes Ambientais.
Conforme alegado pelos defensores dos rodeios, as provas que envolvem laçadas e derrubadas exibidas em rodeios não são cruéis, à medida que reproduzem as atividades normalmente realizadas em fazendas. Tais práticas, contudo, já são condenadas pelas atuais técnicas de produção pecuária, justamente, por elevarem o estresse e os riscos de fraturas e de morte a que são expostos os animais.
Segundo consta da literatura atinente aos métodos de contenção de bovinos, tratamentos clínicos em que há necessidade da derrubada do animal exigem a escolha de um solo plano e macio, coberto com colchões de espumas ou cama de capim. Do contrário, podem ocorrer graves traumatismos, ou até mesmo lesões irreversíveis do nervo radial, que podem levar à paralisia permanente.
É o que ensina também o Prof. Dr. Duvaldo Eurides da Universidade Federal de Uberlândia, em seu livro “Métodos de Contenção de Bovinos”, p. 44 (Rio Grande do Sul, Editora Agropecuária, 1998), ao abordar a questão da derrubada, recomendando que “para realizar tratamentos clínicos em bovinos torna-se necessário derrubá-los e escolher um local adequado: solo plano e macio, coberto com colchões de espumas ou em cama de capim, pois em terrenos duros podem ocorrer graves traumatismos ou até mesmo lesões irreversíveis do nervo radial, causando paralisia permanente”.
Se as laçadas e derrubadas são condenáveis até mesmo nas fazendas, onde são executadas por necessidade, com muito mais razão não podem ser admitidas como mero entretenimento.
O artigo publicado na revista “The Animals Agenda”, em março de 1990, traz depoimento, nesse mesmo sentido, do veterinário E. J. Finocchio:
“Testemunhei a morte instantânea de bezerros após a ruptura da medula espinhal... Também cuidei de bezerros que ficaram paralíticos e cujas traquéias foram total ou parcialmente rompidas. Ser atirado violentamente ao chão tem causado a ruptura de diversos órgãos internos, resultando em uma morte lenta e agonizante”.
Assim como nas montarias, os laçadores treinam por várias horas. A revista “Rodeo Life”, de maio de 1997, publicou entrevista com um deles, da qual se destaca o seguinte trecho:
“Treinava das cinco da tarde até às dez da noite, sem trégua. Sempre passava da meia noite e não amarrava menos de cem bezerros”.
Ainda há outras graves conseqüências que advêm da tentativa de se reproduzir, artificialmente, na arena o que ocorre no campo. Nas provas que envolvem laçadas e derrubadas, simula-se uma perseguição do peão ao animal; é preciso, então, criar um motivo para que o bovino, manso e vagaroso, adentre a arena em fuga, devendo ser submetido à tortura prévia que, no mais das vezes, consiste em ser encurralado, molestado com pedaços de madeira, receber estocadas de choques elétricos e ter sua cauda tracionada ao máximo, antes de ser solto na arena. Garante-se, assim, que o animal, em momento determinado, irá disparar em fuga, pois lhe criaram um motivo para isso.
Vê-se que os animais são submetidos a sofrimento e a risco de lesões, o que viola a legislação atinente à tutela jurídica dos animais.
Dispõe a Constituição Federal, no capítulo do Meio Ambiente:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1° Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:[...]
VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade; [...]”.
A Constituição do Estado de São Paulo consagra a mesma proteção:
“Art. 193. O Estado, mediante lei, criará um sistema de administração da qualidade ambiental, proteção e controle e desenvolvimento do meio ambiente e uso adequado de recursos naturais para organizar, coordenar e integrar as ações de órgãos e entidades da Administração Pública direta e indireta, assegurada a participação da coletividade, a fim de: [...]
X – proteger a flora e a fauna, nesta compreendidos todos os animais silvestres, exóticos e domésticos, vedadas as práticas que coloquem em risco a sua função ecológica e que provoquem extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade, e fiscalizando a extração, produção, criação, métodos de abate, transporte, comercialização e consumo de seus espécimes e subprodutos.”
Na esfera penal, a tutela aos animais, já preconizada pela norma constitucional, foi contemplada pelo art. 32 da Lei Federal nº 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais), que assim tipificou o crime ambiental de maus-tratos para com animais:
“Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena- detenção, de três meses a um ano, e multa.
[...]
§2º. A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.”
Em face da extrema relevância da medida aqui proposta, diante dos argumentos supramencionados, conto com o apoio dos nobres vereadores para a rápida aprovação deste projeto de lei.
Plenário Bruno Moysés Batistela
Araras, 04 de Maio de 2011
Valdemir Gomes – Mami
Secretário da Câmara Municipal de Araras
Vereador – PT
PROJETO DE LEI
“Proíbe a realização de rodeios, touradas, vaquejadas, farras do boi e eventos similares no Município de Araras e dá outras providências.”.
Art. 1o Fica proibida a realização de rodeios, touradas, vaquejadas, farras do boi e eventos similares no Município de Araras.
Parágrafo único. Esta Lei não se aplica a eventos conhecidos como leilões, exposições de animais, romaria de cavaleiros, cavalgadas, hipismo e atividades correlatas, que não expõem os animais a sofrimentos.
Art. 2º O descumprimento desta lei sujeitará o infrator a multa no valor de R$ 50.000,00 por dia de realização do evento, cujo valor será dobrado a cada reincidência.
Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 4º Revogam-se as disposições em contrário.
Plenário Bruno Moysés Batistela
Araras, 28 de setembro de 2011
Valdemir Gomes – Mami
Secretário da Câmara Municipal de Araras
Vereador - PT
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